Aí ... mas de que serve imaginar
Regiões onde o sonho é verdadeiro
Ou terras para o ser atormentar ?
É elevar demais a aspiração,
E, falhado esse sonho derradeiro,
Encontrar mais vazio o coração.
Fernando Pessoa, in Soneto XXXIV
ALGUMAS REFLEXÕES.
Por outro lado esses dias de vida que lhes foram proporcionados pela
luta dos profissionais mais agarrados á vida podem ser momentos que o paciente
precisa para se reconciliar com alguém para fazer os seus últimos projectos.
…Assim como se prepara um nascimento também a morte se prepara como um
despertar para uma nova vida, uma nova realidade.
Pergunto tantas vezes ao sol em que direcções apontam os seus raios e
ele responde sempre: “cada dia
voltarei e espelharei sobre a tua face a transparência da teu ser na tua
identidade
”.
E TODAS ESTAS PERGUNTAS VÃO TENDO RESPOSTAS PORQUE A VIDA É FEITA DE PERGUNTAS ÁS QUAIS NÓS PRÓPRIOS VAMOS RESPONDENDO .
Esta impressão de ter algo ainda
a cumprir leva os doentes a resistirem à morte ou até a não morrerem com a paz
e a tranquilidade que deveriam.
Quando a vida não foi vivida de
acordo com o nosso querer, o nosso crer e a nossa consciência, há dificuldades
em aceitar a morte.
PORQUE A MORTE É A CONTINUIDADE DA VIDA EU ASSIM O CREIO
Por vezes apalpa-se a sensação de
que algo cessou, um caminho que se percorreu e não se mediu cada passo, que ficou,
quem sabe...
Há instantes na vida de uma
enfermeira que nunca esquecem, e tantas vezes, coisas que nos colocam...em
frente de algo que desconhecemos, e nos fazem compreender o quanto somos
pequeninos e toda a sabedoria que aprendemos nos livros fica-se ali desmaiada perante
algo maior que nós.
Ficamos como que parados na
viagem, para a eternidade. Apenas se viu a paisagem de relance.
Viveu-se sem sentido nem rumo.
Não se apreciou o barulho da água
que corriam nos rios nem nos riachos... as gotas transparentes não foram
identificadas.
Não se
conseguiu ler o livro das pedras roladas.
Lembro-me daquele Senhor Manuel que tinha o livro de poemas escrito e
queria entregá-lo á família para que fizessem o que quisessem. O seu sonho era
que fosse editado.
Se bem me lembro o último poema que escreveu foi:
“Neste rio que é a vida
As águas passam
E
As pedras negras ficam
Porque as águas
Não as conseguem lavar.”
Este Senhor só soube que tinha um
cancro quando estava mesmo no fim do percurso, a família tinha ocultado o
facto.
Soube-o por um amigo ao telefone.
Eu como enfermeira fui
confrontada com este problema.
Senhora enfermeira tenho um cancro?
Disseram-me que vinha para uma
casa de repouso.
Muitas vezes os familiares pensam
proteger os seus omitindo-lhes a verdade, mas eu aconselho sempre a que a
verdade seja dita.
No momento certo, com palavras
certas e sobretudo com muito amor e carinho.
Se os familiares se sentirem inseguros para dizer a verdade ao doente,
o médico enfermeiro ou alguém poderá fazê-lo.
Em cuidados paliativos é muito importante ser-se verdadeiro e trabalhar
sempre com a verdade, como em todos os serviços mas aqui especialmente.
Também há casos de pacientes que não querem ser informados da verdade.
Lembro-me de alguém que dizia sempre:”se eu tiver um cancro nunca quero saber,
prefiro morrer na ignorância.”
O seu pedido foi respeitado e nunca lhe foi dito que tinha um cancro.
Verdade foi com ela? Ficou? O respeito pelo seu pedido foi a maior das
verdades.
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