Aí ... mas de que serve imaginar Regiões onde o sonho é verdadeiro Ou terras para o ser atormentar ? É elevar demais a aspiração, E, falhado esse sonho derradeiro, Encontrar mais vazio o coração. Fernando Pessoa, in Soneto XXXIV


A dor moral, que afecta a alma e o corpo...essa, nem sempre nos apercebemos dela, mas ela corrói a alma e destrói o corpo isso eu sei.

Ou muitas vezes nós enfermeiros até a detectamos mas o tratamento implica tantos “remédios” que nos sentimos incapazes de acção.
Eu chamo a isto: “o paciente está socialmente desconfortável”.
.
Lembro-me daquela Senhora Andina, que no dia de Natal encontrei a chorar.
Como é óbvio perguntei: tem dores? A resposta foi rápida, e foi: não.
Perguntei: então porque chora?

As razões estavam lá como agulhas a picar os sentimentos de abandono
Tenho sete filhos e hoje que é dia de Natal e que faço anos, nenhum se lembrou de mim.”

Concluo que muitas vezes não conseguimos dar conforto, e a frustração apodera-se de nós, neste caso não conseguimos cuidar, faltam-nos os meios... outros que os usuais....

Claro o caso foi tratado com os meios que havia, cantámos os parabéns, valorizámos a paciente, contámos histórias, e ao fim do dia sempre apareceu uma das filhas.

....

Há coisas que magoam mais que outras.

Por fim perguntei-me: nesta história quem precisava de ajuda?
Meios técnicos?
Meios sociais?
Meios Morais.
Recursos humanos?
Fiquei-me assim a pensar....

Para a próxima será melhor, haverá bolo, champanhe, velas flores e a família toda reunida.
E eu pensei: fizemos o que pudemos

E em cuidados paliativos há dias de alegria e de tristeza.
E mais uma história com sabor a surpresa.

Como? Tantas ocasiões... em família, no trabalho, na comunidade.

Lembro-me daquela velhinha, que doente em estado terminal, hospitalizada em cuidados paliativos, sem família, falava sempre do seu amigo Janota, a única família que tinha.

Contava histórias maravilhosas sobre esse personagem da sua vida, ultimamente só vivia para ele.

O famoso Janota que gostava disto, daquilo, que era sempre fiel, ia dar a sua voltinha e vinha, dizia ela...Tenho saudades dele.
A Senhora Gertrudes estava mesmo para morrer. “Estava no Fim”. Estava em paz dizia ela, mas....havia algo que estava por resolver, este problema do Janota.
A equipa pensou então em perguntar se queria que telefonássemos ao Janota para que ele a viesse ver esse companheiro tão desnaturado, segundo a nossa maneira de pensar...sim, julgamentos, somos seres humanos.


A esta questão, a dona Gertrudes ficou silenciosa...Havia algo escondido escapava-nos  completamente-.

Então depois de uns longos silêncios cuidadosamente respeitados de parte a parte a Dona Gertrudes diz-nos que o Janota é mais que um companheiro, é um gato fiel,

E há amigos assim...
O problema é que infelizmente os gatos não são permitidos como visitadores de doentes.
Regras são regras, e o regulamento do hospital é: . “Animais não são admitidos”
Claro que toda a equipa com esta notícia ficou sem reacção e sem meios para realizar este ultimo desejo da Dona Gertrudes.

Mas como não há regra sem excepção, o famoso Janota na visita da tarde veio dentro de uma alcofinha bem escondidinho visitar a Dona Gertrudes.

Foi maravilhoso ver aquela pessoa renascer, sorrir falar com ele.
Lembro-me daquela frase que nunca me esqueci.

Agora posso morrer em paz. Estou feliz.

Pensei como enfermeira que sou, tantas vezes é necessário uma coisa tão simples para ser tranquilizante de um paciente por exemplo um gato, um ansiolitico!...


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