Aí ... mas de que serve imaginar Regiões onde o sonho é verdadeiro Ou terras para o ser atormentar ? É elevar demais a aspiração, E, falhado esse sonho derradeiro, Encontrar mais vazio o coração. Fernando Pessoa, in Soneto XXXIV

ESPERANÇA SEMPRE

Quando nos deparamos com o imprevisto, é aí que muitas vezes se pára e se começa a ver e a sentir o verdadeiro sentido da vida.

Aprecia-se a saúde que se tinha e pensa-se em lutar pela cura, uma cura que muitas vezes ultrapassa o entendimento dos peritos na matéria. Mas a Esperança é sempre um objectivo que nunca se apaga nem mesmo com o peso da luta.

Será que a doença de um familiar neste caso, o cancro é motivo para desanimar, se sentir frustrado? Sim é motivo para  ficar muito triste, mas por outro lado o que se tem que pensar é:

Quem está doente eu familiar acompanhante, ou o outro?

Talvez sejam duras as minhas palavras mas poderão ser úteis num processo de acompanhamento que se quer digno e humano.

Tudo isto se aprende ao dar de si própria.

Uma partilha em que somos grandemente gratificados pelo saber agir no momento certo com a palavra certa.


Depois desta questão...Surge logo a resposta da consciencialização: se eu fico doente porque o outro está doente, sou apenas mais um doente e a minha intervenção de ajuda não vai ser eficaz, mas por outro lado se eu estiver bem, saberei lidar com os problemas.

Sabemos que, muitas vezes o familiar que acompanha tem de aprender a lidar com uma nova situação revestindo de palavras e actos aquilo que magoa, e desta forma acho que um diálogo franco e verdadeiro pode ser doloroso, mas é sempre uma fonte de partida para se conseguir aproveitar o melhor num todo e mesmo na doença.

ACONSELHO

Um elemento externo pode ser útil para quebrar o silêncio.
Neste caso em que se começa a lidar com uma situação que escapa tanto ao doente como ao familiar a conspiração do silêncio não é favorável mas por outro lado tem que haver um trabalho progressivo sem de modo algum desrespeitar a intimidade e a vontade de parte a parte.

Há uns anos atrás alguém telefonou-me a dizer-me o José está hospitalizado, tosse muito e estão a fazer uma biopsia ao pulmão...e diz-me, estou preocupada, estão a fazer exames e certamente que é uma tuberculose.

Talvez, disse: mas também pode ser outra coisa qualquer.
Já pensei até num cancro, diz-me ela.

Por vezes numa conversa banal os familiares e os pacientes encontram palavras acertadas para colocar nomes, aquilo que o consciente não quer saber, mas que o subconsciente mete á luz dos olhos.
E na verdade era um cancro de pulmão, e um dia essa familiar recebeu a notícia por telefone...Não foi a melhor maneira de anunciar tal coisa, mas por outro lado depois do choque inicial esta esposa começou logo a preparar-se para enfrentar as dificuldades e acompanhar o marido até ao último instante.

A verdade sim mas no sítio certo na hora certa e com uma preparação prévia.


E a vida é assim e eu enfermeira continuo a desfolhar  memórias, encontro bocados de escrita gravados nas vidas de tanta gente.

“Passam-me pela cabeça muitos casos, lembro-me daquele cirurgião argentino que tinha a esposa hospitalizada em cuidados paliativos, quando chegava para a visita pedia-me sempre que fosse com ele ver a esposa.”

A esposa estava em estado de coma, mas ele falava para ela como se ela lhe estivesse a responder, curioso este dialogo, era mesmo um dialogo havia comunicação, nunca me veio à ideia um monólogo, assistia todos os dias a esses 15 minutos de conversa, ele aproveitava sempre para lhe dar a comida pela sonda naso-gástrica, dizia-me que tinha necessidade de lhe dar a comida.

Intrigava-me este senhor, primeiro sentia-me uma intrusa naquela conversa... ficava sempre em silêncio, não tinha palavras, depois de tantas vezes presenciar estas cenas sempre em silêncio tentei fugir do cenário.
Mas o Sr. X veio pedir-me para ir com ele, perguntei-lhe mas para quê?
Ele respondeu-me: O seu silêncio fala-me sempre muito.


Entre o cumprir um dever profissional, executar tratamentos, cuidar da higiene, ás vezes escapa uma outra parte do conforto...

Claro não deve escapar, mas para se dar conforto será que isso depende só de uma prescrição médica, do lavar um doente dos pés á cabeça todos os dias, do posicioná-lo, do alimentá-lo, do administrar a medicação com toda a técnica?

Sim depende, mas nem só...Também depende do compreender a situação, do estado da doença no doente e também o impacto que essa mesma doença tem nessa pessoa, na família, e também na comunidade.

Compreende-se, um doente com dores não pode estar confortável.

Um doente com a fralda suja não pode estar confortável
Um doente cujos tratamentos não são feitos não ficará confortável.
Mas tudo isto  por vezes é tecnicamente feito e mesmo assim o doente não se sente bem, e nós vemos o desconforto daquelas criaturas.




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