Aí ... mas de que serve imaginar Regiões onde o sonho é verdadeiro Ou terras para o ser atormentar ? É elevar demais a aspiração, E, falhado esse sonho derradeiro, Encontrar mais vazio o coração. Fernando Pessoa, in Soneto XXXIV

E A TERNA LUZ TRAZ-NOS À MARGEM DESTA TORRENTE  OUTRA HISTÓRIA


2ªHistória: “ A verdade é importante”


Esta paciente tem um cancro dos ovários já generalizado, está paraplégie, necessita de auxílio na realização das necessidades.
Depois de ela estar devidamente cuidada, sento-me ao seu lado, a sós as duas num montão de ideias, de silêncios e de perguntas que me saltam á mente, fui escutando a transparência daquele olhar diluindo-o no meu saber.

Parecia-me confortável,, não manifestava sinal algum de dor ou angústia apenas tinha as pálpebras caídas sobre as suas pernas imóveis...
...Saber ser e estar...
Ali naquele quarto descia o silêncio como uma túnica que num momento qualquer se rasgava numa conversa de perguntas e respostas.

Após o almoço levei-a passear na cadeira de rodas pelo jardim, tentámos reconstruir a Primavera em cada rebento que espreitava e cada botão de rosa que embelezava os recantos mais escondidos, era um dia com sol brilhante.

Perante este ambiente maravilhoso rompe-se o silêncio e Francoise pergunta-me:
_” Achas que algum dia poderei caminhar”?
Após uma breve reflexão enxuguei as minhas respostas nas minhas palavras e respondi-lhe que não, infelizmente não vai poder andar.
“Palavras secas que não consegui engolir”
De repente chamou por mim o bom-senso, mas foi tarde demais. 

Ai...O silêncio que não mediu as palavras e as palavras que não entenderam as consequências.


Luta entre a verdade e os frutos da verdade

Passados alguns minutos, interrogou-me novamente:
-” Mas não caminharei nem com a ajuda da minha bengala”?
Fiquei calada e esperando o melhor, aconchego-me ao silêncio, mas rapidamente sinto que vou novamente rasgá-lo e colocá-lo ali, a nu diante dos meus olhos.

Passados alguns minutos respondo: não.

Gelo, glacial...Quem quebra este silêncio? Quem vai colocar aqui uma gota de esperança?

Procuro um buraco fundo, a única resposta.
Seria tão fácil dizer-lhe uma verdade se eu ousasse vestir a mentira de verde esperança.
Mas não, Françoise não caminhará mais, nem com a ajuda da bengala.

Ela retomou a palavra e disse-me:
-”Não fiques triste pois triste e iludida ficava eu se me afirmasses que eu
Caminharia sendo mentira.”
Os segundos pararam de repente e eu compreendo o quanto uma verdade é valiosa.

O Combate em cuidados paliativos
Tantas vezes o fim da luta é o abrir as portas do anoitecer ficando-se as perguntas no silêncio da alma de quem passa e as incertezas na de quem cuida, cuidou e cuidará...

Neste momento em que olho os papéis amarfanhados que me rodeiam invade-me um olhar que me despe de incertezas e mudas perguntas..., enfrento-o.
Sinto-o como que em calafrios de espadas de gelo que se fogem de mim quando as questiono. 



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