Aí ... mas de que serve imaginar Regiões onde o sonho é verdadeiro Ou terras para o ser atormentar ? É elevar demais a aspiração, E, falhado esse sonho derradeiro, Encontrar mais vazio o coração. Fernando Pessoa, in Soneto XXXIV

CONTINUANDO PORQUE A VIDA É SEMPRE UMA CONTINUIDADE E AS MEMÓRIAS HABITAM DENTRO DELA E ESTÃO VIVAS.
Oiço
“Esta canção de Jacques Goldman "Puisque tu parts" marcou duma maneira muito especial a minha vida.
Um jovem na derradeira caminhada fez-me o pedido de quando tivesse trespassado para a outra vida, chamasse os pais e colocasse esta canção quando eles entrassem no quarto pois era uma prova em como ele os amava, Alguns anos depois recordo-o com saudade... As pessoas vivem sempre que nos lembramos delas. Eternament
e


4ª História: “Respeitar a identidade do doente”

Esta história, como as outras, passou-se, também no mesmo local com doentes da mesma patologia.
O Senhor Júlio tinha 45 anos era casado e tinha 2 filhos tinha também uma vida afectiva dupla, o doente ao entrar no serviço onde eu trabalhava, teve o especial cuidado de nos meter ao corrente da situação.
Era empresário, tinha uma vida bastante movimentada pelo estrangeiro 
Depois de ter estado 2 anos na África do Sul regressou a França algum tempo depois, emagreceu bastando, sentia-se cansado atribuindo, todos esses sintomas à sua estadia em África relacionando isto com a mudança de comida, com a falta de repouso e também com os problemas da empresa, pensou que também os seus problemas de ordem afectiva pudessem contribuir bastante para este quadro clínico.
Num primeiro tempo foi ver o seu médico de família que lhe receitou um anti depressivo.
Esteve 3 meses com este tratamento. Não se sentindo bem, o médico foi-lhe fazendo análises e outros exames complementares.
Até que finalmente lhe anunciou que o seu prognóstico era fatal pela melhor das hipóteses teria 6 meses de vida.
Não havia nada a fazer, operar segundo o cirurgião só iria abreviar a morte
Foi então que viu na televisão uma reportagem sobre qualidade de vida, dignidade e respeito pela pessoa humana, enfermeiras falavam especialmente do respeito pela identidade do doente no poder de decisão, nos tratamentos, também, os direitos de morrer dignamente.

Estando perfeitamente ao corrente da sua situação decidiu ser hospitalizado na unidade de cuidados paliativas aonde eu trabalhava.
O paciente não tinha dores, continuava sobretudo, preocupado com a maneira de conciliar a sua situação afectiva.
A psicóloga interferiu. Depois de ter dialogado com o utente chegaram á conclusão de que um trabalho teria de ser feito conciliando as duas mulheres da sua vida.

Como este projecto era pouco comum pelos princípios da lógica e da razão que os humanos se impõem na conduta social estereotipada, a equipa decidiu estabelecer horárias diferentes para a visita de cada uma das suas queridas, assim evitaríamos contendas.
Este projecto realizou-se durante algum tempo, o doente foi piorando como era de prever mas continuava sempre unido a estas duas mulheres.
Chegaram os últimos momentos da sua vida, estando este consciente pediu-me para fazer os possíveis para que pudesse morrer com as suas duas mulheres uma de cada lado do seu leito.
Respondi
“Farei o melhor que puder”
A única evidência é que o tempo faz o que quer e o espaço é apenas um colete-de-forças em que me encontro e entre dois pensamentos sim, não. Que fazer... “

As coisas precipitaram-se de uma tal maneira que ao sair a porta deparei com a sua esposa, então como esta era, a que legalmente usufruía do direito de decisão pois o senhor Júlio começou a estar confuso.
Falei com ela e expliquei-lhe o pedido do marido valorizando este último projecto da sua vida, Frisando o sentido do amor relacionado com o morrer em paz, ultrapassando os preconceitos humanos e dando especial ênfase ao amor que ele tinha pelas duas.

Não sei bem as palavras que empreguei, apenas sei que falei com convicção e no sentido de evitar frustrações e desilusões e sobretudo não descriminar o que o próprio paciente nunca descriminou.

O senhor faleceu três horas depois acompanhado pelas duas referentes de cada lado do seu leito de morte.

Uma esposa corajosa, que amou verdadeiramente o seu marido para além do amor.

Uma amante que tantas vezes excluída nesta dupla vida hoje, pela primeira e última vez tem um lugar ao lado do seu amigo.Só quem está a acompanhar numa situação como esta pode responder pelo que viu: é qualquer coisa que ultrapassa a razão e a possessão do amar, traz-nos uma visão numa outra dimensão, aquela que é amar e respeitar o outro.
O amor para lá do amor...

Deixo este pensamento

“ O tempo já não soma
O espaço não existe.
Não importa em que cais irei sair.
Sei apenas que vou onde eles querem ir."
Ana Homem de Albergaria




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