Aí ... mas de que serve imaginar
Regiões onde o sonho é verdadeiro
Ou terras para o ser atormentar ?
É elevar demais a aspiração,
E, falhado esse sonho derradeiro,
Encontrar mais vazio o coração.
Fernando Pessoa, in Soneto XXXIV
Esta história passa-se na mesma
instituição que a primeira, praticamente na mesma altura.
A senhora Dulce depois de ter
lutado contra a doença um ano e meio em que se submeteu a várias terapias, nos primeiros
tempos em meio hospitalar e depois no seu domicílio, pouco a pouco a luta foi
vencendo a negação da doença e a paciente foi vivendo e apreciando cada momento
como se fosse uma nova ciência a concretizar o projecto do viver mais e melhor.
Acabou por aceitar o seu estado
de saúde depois de ter passado pelos estados de negação, revolta e negociação.
Estava agora na fase de
aceitação, procurando sempre a melhor qualidade de vida possível, mas quando a
dor e a carga psicológica começaram a pesar foi necessário tomar outras decisões
finais, um internamento numa unidade de cuidados paliativos, nesta altura ainda
tinha 80% de autonomia aparente.
Por vezes há histórias engraçadas...
os efeitos da morfina em certas circunstâncias tecem mistérios que dão á luz
elefantes cor-de-rosa que saltam pelas janelas.
“Esta eu guardo-a como um versículo dum poema, como um sorriso que retiro do cofre da minha vida
e leio-o com alegria como se esperasse um violão para repetir novamente outras
notas para vos ver sorrir comigo.” A Senhora Dulce chama por mim:
-Venha depressa senhora enfermeira,
venha ver os elefantes cor-de-rosa a saltarem pela janela do meu quarto.”
Pés ligeiros lá vão.
Onde estão os elefantes? ‘Pergunto eu.
Responde-me prontamente:
-Lamento mas chegou demasiado tarde, já pularam
pela janela
“Que pena, digo eu
Falhei um momento importante da
minha vida, nunca vi elefantes dessa cor.”
Olho pela janela, aberta, os raios
de sol entram agora sem pedir licença e inundam o quarto com uma luz quente e
sóbria, propício para os elefantes descansarem.
Em cinco segundos de distracção
silenciosa imagino o que seriam elefantes cor-de-rosa em cuidados paliativos.
“ Onde a idade pesa, onde a saúde falta,
Onde é preciso levar alguém pela mão,
Onde o saber urge na escola da vida,
Que não ensina que existe trabalho
Que não é profissão.
Ana homem de Albergaria
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